Discurso de Teresa Violante

Manifesto de candidatura “Portugal com Rumo”

Boa tarde a todos,

Senhor Almirante Henrique Gouveia e Melo

Caras e Caros Amigos

Hannah Arendt dedicou muita atenção a uma ideia fundamental: a verdadeira política não é a gestão da necessidade, mas a interrupção desta. É o espaço de liberdade onde podemos começar algo de novo.

A política, na sua essência mais nobre, não é a administração do inevitável. Não é a gestão de crises. É o espaço onde os seres humanos, livres da coação da mera sobrevivência, podem agir e falar como iguais. Podem começar algo novo.

A política não é técnica. Não é ciência. É a materialização suprema das possibilidades rasgadas pela liberdade.

Esta eleição presidencial é exatamente isso: um momento de possibilidade.

Vivemos num país saturado de curto-termismo. De ceticismo político. De escândalos sucessivos. A eleição presidencial é o único momento eleitoral nacional que escapa ao monopólio dos partidos. É uma pausa bem-vinda. Uma oportunidade de ensaiar uma ideia mais ampla de política.

E é por isso que estou aqui hoje, como cidadã que acredita nas instituições democráticas. Que acredita na coragem do possível.

Ao longo da minha carreira, mantive uma postura de reserva institucional. Raramente me pronuncio publicamente sobre candidatos ou eleições. A minha zona de conforto é a análise, o estudo, o debate académico.

Mas faço-o hoje. E faço-o porque estou genuinamente preocupada.

Preocupada com o que vejo acontecer noutras democracias: a erosão da confiança nas instituições. A polarização tóxica. O desrespeito pelos limites constitucionais. A instrumentalização de cargos de Estado para fins partidários.

Estou preocupada também com sinais que vejo em Portugal. Fragmentação política sem precedentes. Volatilidade eleitoral. A tentação de transformar todas as instituições em palcos de confronto partidário.

Tudo isto tem consequências reais. Dificulta consensos sobre os problemas urgentes que afligem os portugueses. Neste xadrez complexo, precisamos de um Presidente que não jogue por nenhum dos lados. Mas que garanta que o tabuleiro se mantém equilibrado.

Num momento como este, o silêncio não é neutralidade. É demissão.

Por isso apoio inequivocamente a candidatura do Almirante Henrique Gouveia e Melo à Presidência da República. E vou explicar-vos porquê, a partir de quatro questões fundamentais.

 

1. O que exige a Constituição de um Presidente?

Os nossos constituintes não foram ingénuos. Conheciam bem a crise da representatividade política. Conheciam os riscos da democracia de massas. Por isso desenharam um cargo presidencial estruturalmente afastado do monopólio partidário. Não foi um acidente. Foi uma escolha deliberada.

Mas pergunto: pode um Presidente limitar-se a ser um notário da República?

Não pode.

O Presidente não é uma figura decorativa – por mais que vários agora venham expressamente assumir esse desejo. É eleito para garantir a independência nacional, a unidade do Estado, o regular funcionamento das instituições e para comandar as Forças Armadas. O Presidente não governa, mas também não é decorativo. Orienta, fiscaliza, modera. E, neste equilíbrio, a eleição presidencial por sufrágio universal direto não é um acidente. É deliberada.

O Presidente tem legitimidade independente do Parlamento. Pode dissolver a Assembleia. Demitir o Governo. Vetar leis. Mas este poder só é legítimo se for exercido por alguém verdadeiramente independente. Se o Presidente for refém de um partido, o sistema colapsa. Deixa de haver checks and balances. Fica apenas um jogo partidário com árbitro comprado.

Este equilíbrio constitucional delicado exige alguém que compreenda profundamente o alcance e os limites do poder presidencial.

A Presidência da República não é um prémio de carreira. É um serviço à Nação. Um serviço que, na senda de Hannah Arendt, nos dá a oportunidade de interromper o ciclo da necessidade e abrir o espaço da possibilidade política.

 

2. Por que Gouveia e Melo compreende este equilíbrio?

Durante a pandemia, como todos os portugueses, vi Gouveia e Melo nas conferências de imprensa. Vi algo que me marcou profundamente: alguém com visibilidade, com tribuna, com confiança popular, deliberadamente a trabalhar com o governo. Nunca em substituição do governo. Gouveia e Melo tem uma compreensão profunda de como funciona uma democracia. Respeita escrupulosamente a hierarquia das instituições. Mobiliza a sociedade sem a polarizar.

Sei reconhecer quando alguém compreende verdadeiramente os limites do poder. Há uma diferença visível entre quem respeita as instituições e quem as usa. Entre quem serve o país e quem se serve do cargo. Entre autoridade e autoritarismo.

E quando Gouveia e Melo mobilizou os portugueses – de todas as origens e convicções – fê-lo sem sectarismos. Sem demagogia. Sem criar inimigos. Uniu pelo exemplo, não pela retórica, nem pelo medo.

Estes são requisitos essenciais para quem exercerá funções de fiscalização da constitucionalidade, de promulgação de leis, de representação da República.

Esta é a essência da magistratura de influência que o cargo presidencial exige.

Gouveia e Melo não pretende governar. Mas também não abdica de moldar o futuro. Tem uma agenda clara para o país. A crise da habitação que afeta os nossos jovens. A reforma da saúde que todos sabemos ser urgente. Uma política de imigração que equilibre humanismo e realismo. Mas preserva rigorosamente o espaço constitucional do governo.

É magistratura de influência com substância. Não é silêncio passivo disfarçado de neutralidade.

Esta é a diferença entre um Presidente que mobiliza vontades e um que apenas observa. Entre quem convoca o país para os seus desafios e quem se limita a comentá-los.

 

3. Por que é a independência tão crítica agora?

Hoje os partidos transformaram-se em burocracias fechadas sobre si próprias. A intermediação entre cidadãos e elites deslaçou-se. Neste contexto, a independência do Presidente não é um ativo supérfluo. É uma necessidade constitucional vital.

Uma presidência capturada por interesses partidários não é um problema abstrato. É a diferença entre ter um garante da estabilidade ou mais um ator no teatro político.

Mas há mais. Num país como Portugal a tentação oligárquica nunca desapareceu. Os riscos de captura do Estado por interesses económicos concentrados são reais. A subordinação da política a interesses privados poderosos é real.

Gouveia e Melo representa a antítese da tentação oligárquica. Gouveia e Melo não traz consigo compromissos partidários. Nem dívidas políticas. Nem agendas ocultas. A sua independência não é apenas simbólica. É estrutural.

 

4. Por que precisamos desta liderança agora, neste contexto global?

O Presidente da República é o Comandante Supremo das Forças Armadas. Este não é um título honorífico. É uma competência constitucional com implicações profundas.

A defesa e segurança nacional estão a assumir o papel mais central das últimas décadas. Vivemos num mundo onde a ameaça já não vem apenas de um eixo. É uma ameaça de 360 graus. Os aliados históricos vacilam. A coesão da NATO e da UE não pode ser dada como garantida.

Ter um Presidente que compreenda profundamente estas dinâmicas é essencial. Que tenha experiência operacional em ambientes multilaterais. Que seja respeitado internacionalmente. É uma necessidade estratégica para um país atlântico como Portugal. Gouveia e Melo vê Portugal não como periferia, mas como plataforma atlântica. Com a sua centralidade própria e crucial neste mundo multipolar.

Regressemos a Arendt: a política é o espaço onde podemos começar algo novo. Contrariar a inevitabilidade. Abrir novos recomeços.

As democracias saudáveis renovam-se. Não por rejeição do passado, mas por necessidade de futuro.

Portugal enfrenta desafios novos que exigem lideranças preparadas para os tempos que vivemos. Fluxos migratórios. Transformações tecnológicas. Novas formas de ameaça à segurança. Evolução das expetativas sociais. Redefinição do papel das instituições.

Gouveia e Melo representa a capacidade de renovação sem rutura. De transformação sem experimentalismo irresponsável. De inovação com solidez institucional.

 

Senhoras e senhores,

A nossa Constituição foi desenhada para libertar os portugueses de décadas de repressão política e de pobreza estrutural.

Não promete apenas liberdade. Promete liberdade real, assente em condições materiais de vida digna. Não é utopia. É a memória constitucionalizada de quem viveu sem direitos durante 48 anos.

Esta Constituição desenhou um sistema de freios e contrapesos sofisticado. Um semipresidencialismo que funciona. É uma conquista frágil. Exige, para funcionar, lideranças à sua altura.

A nossa Constituição preserva algo único: a memória viva de uma revolução pacífica que deu certo.

Não quis vingança. Construiu instituições.

Esta memória não é nostalgia. É um ativo institucional. Lembra-nos constantemente que a democracia não se resume ao voto.

Que a liberdade política sem liberdade social é vazia.

Que as pessoas devem servir as instituições, não o contrário.

E que o poder concentrado – político ou económico – é um perigo existencial para a democracia.

Precisamos de um Presidente que preserve Abril. Não o Abril folclórico das celebrações oficiais, mas o Abril que nos ensinou algo fundamental: que a promessa de emancipação nunca está totalmente cumprida. Que há sempre novos riscos de concentração do poder. Que a vigilância democrática nunca descansa.

Tenho dois filhos. Têm 12 e 14 anos.

Quando penso no país que lhes vou deixar – nas instituições que vão herdar, na democracia que vai protegê-los – penso nesta escolha. Penso no Presidente que quero que eles tenham quando entrarem na universidade. Quando procurarem o primeiro emprego. Quando decidirem se ficam ou se partem.

Quero que tenham um Presidente que compreenda:

Que os direitos sociais não são favores. São pilares da democracia.

Que o equilíbrio de poderes não é um jogo. É a última barreira contra a tirania.

Que a memória de Abril não é folclore. É o ADN da nossa democracia.

 

Portugal precisa de um Presidente independente. Preparado. À altura dos desafios do nosso tempo. Gouveia e Melo é esse Presidente.

Muito obrigada.

Teresa Violante
Lisboa
15 Outubro 2025