Discurso de António Correia de Campos

Manifesto de candidatrura “Portugal com Rumo”

Senhor Almirante Henrique Gouveia e Melo

Senhoras e Senhores Apoiantes

Caras e Caros Amigos,

Permitam-me que saúde todos os presentes, apoiantes ou simpatizantes da candidatura de Henrique Gouveia e Melo à Presidência da República. E deixem-me cumprimentar o candidato, o meu candidato também, pela sua coragem, determinação e sentido de serviço público, por ter saído de uma confortável reserva, para as incertezas e dissabores de mais um percurso de combate. A sua candidatura culmina uma vida profissional de intensa, dedicada e profícua entrega ao serviço de Portugal, que o qualifica como personalidade excecionalmente bem preparada para os difíceis dias que nos esperam, dentro e fora de fronteiras.

A 90 dias das eleições presidenciais, a qualquer potencial aderente, colocam-se diversas interrogações:

1. Deve o nosso candidato, em matéria de políticas públicas, ficar-se por banalidades, reiterando o óbvio, encostado ao conceito altamente fungível de “assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas”, como se se limitasse ao papel de notário da República? Ou deverá mostrar aos eleitores como pensa em muitas matérias, que visão tem para a vida do país, interna e externa, qual o papel do Estado na sociedade, em suma, como pensa desempenhar fielmente as funções em que ficará investido e como entende vir a defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição?

A pergunta é certamente retórica, mas se dúvidas subsistem, convirá sermos claros. Como pode um Presidente dirigir mensagens à Assembleia da República e Regionais, se o seu pensamento político se ficar por banalidades, lugares-comuns, ou posições deliberadamente consensuais e substantivamente vazias? Como pode um Presidente, ouvidos os partidos e o Conselho de Estado, dissolver a Assembleia, se não for capaz de formar uma sólida convicção, e não apenas uma perceção? Como pode um Presidente aceitar e presidir a conselhos de ministros, por convite do Primeiro-Ministro, se não entender as matérias em discussão? Como pode o Presidente decidir se submete ou não a referendo questões de relevante interesse nacional, se não se identificar e concordar com essa relevância? Como poderá o Presidente da República pronunciar-se sobre todas as emergências graves para a vida da República, se não tiver a consciência da magnitude e da exceção, nas quais se alicerça a sua opinião?

O Presidente da República não é uma vestal, é eleito para conservar o fogo sagrado da República e muito mais do que isso: para garantir a independência nacional, a unidade do Estado, o regular funcionamento das instituições democráticas e para comandar as Forças Armadas.

 

2. Que esperam os apoiantes e votantes de Henrique Gouveia e Melo, em matéria social?

Esperam, que garanta e incentive os restantes órgãos de soberania a defender e valorizar os direitos e os deveres sociais, consagrados nos artigos 63º a 75º da Constituição: os direitos e os deveres à segurança social, à saúde, à habitação e ao ambiente. Que garanta o direito que a família tem à proteção da sociedade e do Estado. Que garanta os direitos e deveres à educação, à cultura e à ciência.

Direitos e deveres que não dependem apenas da omnipotência do Estado, mas pressupõem a cooperação com o mercado e o setor social. Que, como sempre aconteceu, cominem ao Estado a “disciplina e fiscalização das formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o Serviço Nacional de Saúde de forma a assegurar, no público e no privado, adequados padrões de eficiência e de qualidade”. Que, na habitação, vise “cumprir a incumbência de o Estado, em colaboração com as regiões autónomas e autarquias locais, não apenas de promover a construção de habitações económicas e sociais, como de estimular a construção privada, própria ou arrendada, como ainda de apoiar as iniciativas das comunidades locais e das cooperativas de habitação”. Que, na educação “promova o ensino público, gratuito em toda a escolaridade obrigatória, complementado pelo ensino particular e cooperativo, todos igualmente fiscalizados pelo Estado”, para que, “em igualdade de oportunidades para toda a população, possam ser superadas desigualdades  económicas, sociais e culturais de origem, contribuindo para o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, compreensão mútua, solidariedade e responsabilidade para o progresso social e a participação democrática na vida coletiva”.

Infelizmente a realidade está a longa distância destes desideratos.

 

Limitei-me às formulações constitucionais para a segurança social, a saúde e a educação por elas serem precisas, eloquentes e direi mesmo, consensuais. E também por esses três setores da administração representarem, em 2022, cerca de 66% do gasto público. Parece muito, mas não é. Se, nesse mesmo ano, lhe acrescentarmos os gastos públicos com o ambiente e a habitação, e compararmos esse total com o PIB, atingiremos 43,2% deste, o que nos coloca apenas no 21º lugar na Europa a 27. O nosso Estado, afinal, é muito mais pequeno do que parece. Olhemos ao detalhe.

Com base no ano de 2019, sobre o qual existem análises comparativas, na Segurança Social, onde julgamos gastar em excesso, afinal consumimos 16,9% do nosso PIB, comparando com a média de 19,3% da União. Na Saúde, estamos quase na média europeia, 6,6% de gastos públicos, para 7,0% na União. Na Educação gastamos 3,6% do PIB, para 4,7% na União. Mas é na habitação que se situam as maiores diferenças: em 2023, os gastos públicos foram de apenas 0,5% do PIB para uma média de 1% na União, cerca de metade. Aí, o Estado tem assumido responsabilidades diminutas. E tal como acontece na saúde, quando o Estado encolhe na despesa necessária, são as famílias a pagar: no ano de 2023, na média da União, as famílias europeias foram chamadas a gastar 13% do seu orçamento com habitação, em Portugal o valor correspondente foi de 17,6%.

 

3. Perante o clamor quase geral sobre reformas indispensáveis, como pode o candidato estimulá-las, ou deve apenas esperar que elas surjam?

Na verdade, o País tem estado tolhido nas reformas necessárias. Limito-me a alguns exemplos:

Na Segurança Social, controlámos com sucesso o crescimento dos encargos com pensões, por termos atirado para futuros pensionistas os encargos gerados pela demografia e pela maturação dos direitos contributivos, reduzindo o valor das suas pensões futuras. Continuamos com apenas um sistema pensionário, sem quase explorar as modalidades de capitalização facultativa e a organização de pensões de base ocupacional ou de empresa, ambas previstas na lei, mas quase sem valores que as imponham. E nos últimos anos andamos anestesiados por o excedente das contribuições devido a mais de um milhão de novos ativos, na maioria imigrantes, nos facultar saldos orçamentais positivos que muito ajudam à redução do défice e da dívida. Situação que não vai durar sempre.

Na Saúde, deixámos a meio reformas essenciais como a dos cuidados continuados, das unidades de saúde familiares e a dos centros de responsabilidade integrados, com provas dadas de reflexos sistémicos em despesa mais racional e até menor. Continuamos apenas no início da saúde oral pública, da procriação medicamente assistida e aos solavancos na medicina física e de reabilitação, em dramática situação na saúde mental e na habitual penúria de recursos para a promoção da saúde e prevenção da doença.

Mesmo assim, os resultados têm sido notáveis: estamos em quase todos os indicadores, acima da média da União a 27, com exceção da saúde oral, da saúde mental, da diabetes e do alcoolismo. Dos bons resultados não se ouvem os ecos. O que conta, mediaticamente, são os partos em ambulância, as urgências sem obstetras e as demoras nas emergências, em locais onde faltam médicos de família.

Paralisados pelo poder corporativo, não temos tido coragem para realizar o que outros já executaram com sucesso: a transferência de competências entre profissionais, como por exemplo, de obstetras para enfermeiras-parteiras nos partos de baixo risco.

Na Educação, as coisas parecem melhor: o setor foi pacificado e está a ser objeto de um esforço simultâneo de regionalização e reorganização central. Não são conhecidas intenções de destruir as universidades públicas, concedendo mercado e privilégios às privadas. A gratuitidade do ensino até final do secundário continua garantida e os esforços para estabilizar o corpo docente podem ser instrumentais para a recuperação do antigo prestígio da escola pública. O horizonte apresenta-se desanuviado, mas subsistem dúvidas quanto aos objetivos das novas instituições de gestão da ciência. O discurso oficial está centrado na aplicabilidade imediata do conhecimento, que muitos interpretam como desprezo pela ciência fundamental, aquela que faz avançar todas as outras, mesmo as mais utilitaristas. Esperemos que tal não aconteça.

 

4. Que postura deve um Presidente adotar perante esta realidade complexa?

Deve criar meios para a conhecer regularmente: não apenas solicitando ao Governo a informação, como criando mecanismos próprios de a ela aceder, aconselhando-se com especialistas, promovendo conferências e colóquios que gerem conhecimento e sobretudo visitando serviços públicos e privados, universidades e outros centros e instituições, constituindo uma rede informal com a máxima pluralidade de opiniões. O patrocínio da Presidência em vez de banalizado, deve ser conferido a iniciativas fora da rotina que realmente façam a diferença, acrescentando conhecimento, promovendo consensos, ou simplesmente esclarecendo dúvidas paralisantes.

Nas questões divisivas o Presidente tem um papel delicado, mas decisivo, como gerador de equilíbrios, apelando ao permanente bom senso, sem criar entropia e muito menos paralisia no progresso. O debate acerca da dicotomia Estado e mercado, jamais terminará. A cada momento o Presidente será chamado a tomar posição. Como atrás vimos na saúde, na educação e na habitação, a Constituição propõe equilíbrios que nem sempre têm sido conseguidos ou respeitados. Atento às mudanças económicas e sociais, espera-se do Presidente, uma posição aberta ao progresso, sempre respeitando a Constituição. Para quem discorde, haverá a possibilidade de revisão constitucional. Até que se construa uma maioria de revisão, vigora a Constituição que nos permitiu cinco décadas de liberdade, de paz e de progresso material e social.

 

5. Aqui chegados, última questão, afinal a primeira: poderia o nosso candidato descurar estes problemas, ignorar estas questões e as diversas alternativas para as solucionar e no seu múnus futuro desinteressar-se das dificuldades, com o argumento de que são questões do executivo?

Não nos iludamos. As questões do executivo interessam sempre a um Presidente que se pretenda próximo dos Portugueses.

Ele chama-se Henrique Gouveia e Melo.

 

António Correia de Campos
Lisboa
15 Outubro 2025